Em Pernambuco, 2.697 pessoas contraíram o
vírus HIV, causador da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids), em 2017.
Desde 1983, o número de pessoas com a doença no estado chegou a 26.212, o que
corresponde a uma média mensal de 64 diagnósticos, de acordo com a Secretaria
de Saúde. Neste sábado (1º), quando é celebrado o Dia Mundial de Luta contra a
Aids, mais de 584 mil pessoas estão em tratamento no Brasil, das quais 92%
estão com o vírus indetectável.
Estar com o vírus indetectável
significa ter uma taxa menor que 50 cópias do HIV no organismo. Esses níveis
são medidos por meio de exames de sangue e estar indetectável significa,
também, que o paciente não mais transmite o vírus para outras pessoas.
Com 57 anos de idade, Wladimir Reis
vive com o HIV desde 1992. Na época, o conhecimento sobre o vírus ainda era
escasso e as campanhas sobre a epidemia assustavam muito mais que alertavam.
Ele, que coordena o Grupo de Trabalhos em Prevenção Posithivo (GTP+) e
acompanha pessoas vivendo com o vírus, descobriu a infecção no pior momento de
sua vida: após a morte de seu companheiro devido às complicações ocasionadas
pela síndrome.
"Antes, só se chamava de Aids e
não se falava em HIV. Era como um atestado de óbito. Meu companheiro ficou
doente a ponto de não conseguir mais levantar. Ele era muito preocupado com a
aparência e cantava, mas percebi que havia algo errado quando ele passou a ter
dificuldades para ir ao trabalho. Numa sexta-feira, fomos no médico e ele disse
que era uma pneumonia. Devíamos voltar na segunda para ele se internar. Viajei
a trabalho e recebi a ligação. Meu companheiro tinha morrido", lembra.
Apesar do pouco conhecimento sobre o
HIV na época, os rumores corriam e a desconfiança de que tinha o vírus logo
atingiu Wladimir. Junto com ela, veio a desinformação sobre a forma de
contágio, que ocorre apenas por meio do contato com sangue, sêmen ou fluidos
vaginais infectados.
"Quando cheguei no enterro, a família dizia para não chegar perto do
corpo, porque 'ele morreu de Aids'. O caixão foi pregado e jogaram cal por
cima. O cemitério dizia que não podia manter ele por muito tempo enterrado ali,
porque ele passaria a doença para todo mundo. Eu fiquei aterrorizado. Quando
souberam, meus amigos sumiram. Colegas de trabalho perguntavam se eu podia
comer junto com eles, se não iria passar para alguém", relembra Wladimir.
Apesar de ter sido diagnosticado em 1992,
Wladimir só passou a tomar os medicamentos antirretrovirais oito anos depois.
Fumante, ele abandonou o cigarro após os sintomas que ameaçavam sua saúde
avançarem.
"Fiquei doente e o médico disse
que o quadro só iria piorar. A medicação era muito pesada antigamente. Hoje,
tomo dois remédios por dia. Isso me mantém indetectável e, consequentemente,
intransmissível. Vivo uma vida saudável, mas o mais importante é o acolhimento.
Profissionais de saúde que nos tratem como gente e as pessoas do nosso entorno
também", explica Wladimir.
Depressão e falta de conhecimento
Aos 27 anos de idade, a enfermeira Juliana*
carrega no corpo as cicatrizes da violência que culminou em sua infecção. Ela
vive com o HIV desde 2011, quando foi presa por tráfico de drogas junto com
outras duas travestis. No presídio, ela e suas colegas foram estupradas.
"Fui acusada de portar 18 pedras
de crack e R$ 32, porque instiguei as outras meninas a não pagarem suborno aos
policiais que nos garantiriam proteção. Uma policial achou que eu fosse mulher
cis e foi me revistar. Quando viu que eu tinha genitália masculina, me bateu e
cortou meu cabelo. Foi aí que me neguei a pagar. Plantaram a droga em mim, mas
fui absolvida. Tinha câmeras no hotel em que isso aconteceu", explica.
Antes de obter a liberdade, no entanto,
Juliana precisou cumprir três anos e três meses de prisão, por um crime que não
cometeu. Após o estupro, presa aos 21 anos de idade, ela entrou num grave
quadro de depressão.
"Os detentos foram bem
receptivos, mas à noite, queriam transar conosco. Eu neguei e um deles me
esfaqueou três vezes na perna. Daí eu cedi, mas ele ainda quis que outros dois
me segurassem para que ele me estuprasse. As outras duas meninas foram
violentadas por todos. Eu, só por ele, que disse que eu seria só dele. No outro
dia, fui para a enfermaria, com uma fissura anal grande e contei à profissional
de saúde. Sem sensibilidade nenhuma ela pediu que eu apontasse quem foi e disse
'ele tem aids’. Não recebi coquetel, testagem, nada", diz Juliana.
Juliana, diferente de Wladimir, nunca
chegou a desenvolver a síndrome da imunodeficiência, mas teve a saúde
extremamente debilitada pela depressão. O primeiro teste que ela fez no sistema
prisional veio quatro meses depois da violência, não por iniciativa do estado,
mas do GTP+, que realiza acompanhamento da população LGBT e de pessoas com HIV
no sistema prisional de Pernambuco.
"Era a pior fase da minha
depressão. Foi aí que tive alguma perspectiva de vida. Fiz o tratamento e
alcancei a condição de vírus indetectável desde então. Fui absolvida, mas não
sei se os policiais foram punidos. Eles iam até meu apartamento pedir dinheiro,
tive que me mudar. Eu conheci a militância ainda dentro do sistema prisional.
Hoje, sou formada em enfermagem e atuo na gestão pública, mas as sequelas
permanecem. Tenho síndrome do pânico e não consigo ficar em lugares
fechados", complementa.
HIV indetectável
Infectologista do Hospital Correia Picanço,
na Zona Norte do Recife, referência no tratamento de doenças
infectocontagiosas, Thiago Ferraz explica que diversas entidades de estudos
sobre o HIV e Aids já consideram que o quadro indetectável do vírus significa,
também, a intransmissibilidade. Mesmo as pessoas que já desenvolveram a Aids
têm a possibilidade de suprimir a replicação do vírus.
"São poucas exceções as pessoas
que, realizando a terapia antirretroviral, não conseguem que o vírus fique
indetectável. A partir do momento que conseguimos suprimir a replicação do HIV,
isso já diminui a agressão dele sobre o sistema imune. Isso evita a progressão
para a Aids e dificulta ainda mais as infecções oportunistas", afirma.
Segundo Thiago, o protocolo de
tratamento do HIV recomendado pelo Ministério da Saúde é composto, na maioria
dos casos, pela combinação de dois comprimidos, que devem ser tomados
diariamente. O tratamento também inclui testes constantes para acompanhar a
evolução do vírus no corpo do paciente.
"O paciente fica com esse
medicamento ao longo dos anos, já que ainda não conseguimos erradicar o HIV. É
importante que o tratamento nunca seja interrompido, porque sempre há um vírus
que chamamos de residual, que é o que permanece no corpo, mesmo com o
tratamento. Caso a pessoa pare a medicação, esse vírus pode se tornar
resistente", aconselha Thiago.
Onde fazer o teste?
O Sistema Único de Saúde (SUS) disponibiliza
testes rápidos para a detecção do vírus nas unidades de saúde brasileiras. Em
caso de resultado positivo, o Ministério de Saúde orienta o paciente a procurar
o serviço de saúde para testes complementares. Em Pernambuco, é possível se
testar nos postos de saúde, nos Centros de Testagem e Aconselhamento e em
outras unidades de saúde, como maternidades e UPAs.
ONGs também realizam a testagem de
forma gratuita, como o GTP+ e a Gestos - Soropositividade, Comunicação e
Gênero, na Rua dos Médicis, também no bairro da Boa Vista. Nesta última, os serviços
de testagem e aconselhamento são voltados a pessoas entre 18 e 29 anos.
Os testes são realizados nas terças-feiras, de manhã e à tarde, e nas
quartas-feiras, à tarde, na sede da entidade, no Centro do Recife. O
atendimento é realizado mediante agendamento, pelo telefone (81) 3231.3880.
Como se prevenir?
A melhor forma de prevenir a transmissão do
HIV, assim como outras infecções sexualmente transmissíveis, é o uso dos
preservativos masculino e feminino, além de gel lubrificante, todos
distribuídos gratuitamente em unidades de saúde.
A PEP (profilaxia pós exposição) são
medicamentos antirretrovirais que são tomados depois que a pessoa se expôs ao
HIV e quer tentar evitar a contaminação. É uma estratégia de emergência. Ela
impede que o vírus se multiplique e se instale no organismo e o sistema de
defesa consegue dar conta de eliminá-lo.
A PrEP (profilaxia pré-exposição) é
uma nova forma de prevenção com o uso de medicamentos contra o HIV em pessoas
que não têm o HIV. Ela está disponível no SUS e é voltada para grupos mais
vulneráveis. A pessoa toma antirretrovirais diariamente e o medicamento está permanentemente
no sangue. Com isso, se a pessoa tiver contato com o HIV, os antirretrovirais
(que já estão no sangue) impedem que o vírus se multiplique e se instale no
organismo.
A PrEP só é liberada para quem tem
mais de 18 anos e não tem HIV. Profissionais do sexo, pessoas trans, gays e
outros homens que fazem sexo com homens têm prioridade para receber a PrEP pelo
SUS. Em Pernambuco, o Hospital Universitário Oswaldo Cruz (Huoc), n bairro de
Santo Amaro, no Centro do Recife, atende 124 pessoas que fazem uso desse método
preventivo.
A PrEP faz parte de um novo modelo de
cuidado chamado prevenção combinada, que oferece diferentes opções para evitar
novos casos de HIV e outras infecções. A prevenção combinada inclui, por
exemplo, preservativos e vacinas.
Fonte: g1.com
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