Ao longo dos últimos 11 anos, ministros do
Supremo Tribunal Federal (STF) têm entendido que a nomeação de parentes para
cargos de natureza política não se enquadra como nepotismo. A questão voltou
para o centro do debate em Brasília, após o presidente Jair Bolsonaro anunciar
que pretende indicar o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), seu filho,
para o cargo de embaixador do Brasil nos Estados Unidos.
Para um integrante da cúpula da
Procuradoria-Geral da República (PGR) ouvido reservadamente pela reportagem,
por mais que pareça "cruel", não há empecilho para Bolsonaro indicar
Eduardo para a embaixada em Washington.
Uma súmula vinculante, aprovada em 2008 pelo
plenário do STF, estabelece que viola a Constituição a nomeação de parente,
cônjuge ou companheiro para o exercício de cargo em comissão ou de confiança
ou, ainda, de função gratificada na administração pública. Um caso pendente de
análise pelo plenário, sob a relatoria do ministro Luiz Fux, discute se a
nomeação de familiares para cargos de natureza política também se enquadra
nessa restrição.
Não há previsão de quando o STF vai analisar
o tema, mas levantamento feito pelo Estadão/Broadcast aponta que ministros da
Corte já tomaram - individual ou colegiadamente - ao menos oito decisões no
sentido de que o veto não alcança as nomeações políticas. Nenhuma delas, no
entanto, tratava de representação diplomática no exterior, como no caso de
Eduardo Bolsonaro.
Para um integrante do STF, a possibilidade de
um posto de embaixador ser enquadrado como cargo político é uma questão
controversa, que ainda está em aberto.
Casos. Em outubro de 2008, por 7 a 1, o
plenário confirmou uma liminar do ministro Cezar Peluzo que garantia o cargo de
Eduardo Requião como secretário de Transportes do Paraná, Estado governado na
época por seu irmão, Roberto Requião. A avaliação predominante da Corte foi a
de que a súmula vinculante não alcança cargos de natureza política.
Dos sete votos favoráveis ao irmão de
Requião, três vieram de ministros que ainda integram o tribunal - Ricardo
Lewandowski, Cármen Lúcia e Celso de Mello. Os outros quatro ministros que se
posicionaram nesse sentido já se aposentaram.
O único voto divergente na época foi o do
ministro Marco Aurélio Mello. Na última quinta-feira, Marco Aurélio disse ao
Estadão/Broadcast que a indicação de Eduardo Bolsonaro para a embaixada do
Brasil nos EUA configura nepotismo e é "um tiro no pé". "Sob a
minha ótica, não pode, é péssimo. Não sei o que os demais (ministros do
Supremo) pensam. Não acredito que o presidente Bolsonaro faça isso. Será um ato
falho, um tiro no pé", afirmou à reportagem.
Outros processos envolvendo a nomeação de
familiares de políticos foram apreciados pelo tribunal ao longo dos últimos
anos. Em maio de 2009, por exemplo, o ministro Celso de Mello garantiu a
permanência de Ivo Ferreira Gomes, irmão do então governador do Ceará, Cid
Gomes, no cargo de chefe de gabinete. A nomeação havia sido contestada pelo
Ministério Público do Estado do Ceará na época, que acionou a Justiça para
anulá-la.
Em outubro de 2012, foi a vez de o ministro
Ricardo Lewandowski dar uma liminar garantindo o retorno de Talitha de Nadai ao
cargo de secretária de Promoção Social do município de Americana (SP). Ela era
irmã do então prefeito da cidade, Diego De Nadai.
O ministro Luís Roberto Barroso, por sua vez,
negou em 2014 o pedido para retirar o irmão da vice-prefeita de Pinheiral (RJ)
do cargo de secretário municipal de Administração. "Estou convencido de
que, em linha de princípio, a restrição sumular não se aplica à nomeação para
cargos políticos. Ressalvaria apenas as situações de inequívoca falta de
razoabilidade, por ausência manifesta de qualificação técnica ou de
inidoneidade moral", escreveu Barroso em sua decisão monocrática
(individual) Em 2018, Barroso deu outras duas decisões similares.
Já o atual presidente do STF, ministro Dias
Toffoli, disse, em julgamento ocorrido em 2014, que decisão judicial que
"anula ato de nomeação para cargo político apenas com fundamento na
relação de parentesco estabelecida entre o nomeado e o chefe do Poder
Executivo, em todas as esferas da federação, diverge do entendimento da Suprema
Corte consubstanciado na Súmula Vinculante nº 13".
Em setembro do ano passado, a Segunda Turma
do STF cassou uma decisão que condenou a prefeita de Pilar do Sul (SP) por
improbidade administrativa, ao ter nomeado o marido para secretaria municipal.
A avaliação, novamente, foi a de que o entendimento da súmula vinculante não se
aplicava a cargos políticos. "Os cargos políticos, a exemplo da chefia de
secretarias estaduais ou municipais, têm por paradigma federal os cargos de
ministro de Estado, cuja natureza é eminentemente política. Eles compõem a
estrutura do Poder Executivo e, portanto, são de livre escolha pelo chefe desse
poder", defendeu o ministro Gilmar Mendes, na ocasião.
Divergência. Em
sentido contrário, o ministro Marco Aurélio Mello suspendeu, há dois anos, a
nomeação de Marcelo Hodge Crivella para o cargo de secretário da Casa Civil da
gestão do pai, Marcelo Crivella, na prefeitura do Rio, por entender que se
tratava de nepotismo. Uma curiosidade: Marco Aurélio chegou ao Supremo por
indicação do então presidente Fernando Collor de Mello, seu primo.
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